“Propriedade Privada”. A placa para afastar curiosos do número 69 da rua Coelho da Rocha, uma das mais movimentadas do bairro lisboeta de Campo de Ourique, é recente, mas poucos reparam nela. Turistas entram de câmara fotográfica em riste, um casal estrangeiro espreita várias janelas à procura da “escola de teatro” e uma numerosa turma de yoga de tapetes às costas chega para mais uma aula nesta pequena vila, mais conhecida como Pátio dos Artistas.
Ainda no outro dia o cantor Fernando Tordo também andou por ali a passear, “a matar saudades do antigo estúdio de música onde tinha gravado”, conta-nos Sofia Rodrigues, de 44 anos, empresária, uma das mais recentes moradoras e uma das responsáveis pela nova vida deste pátio projetado nos anos 40. O nome era o Musicorde, uma referência entre as décadas de 1970 e 1990, por onde passaram nomes como José Afonso, Paulo de Carvalho e Pop Dell’Arte. Quando, em 2017, Sofia e o marido compraram o estúdio que converteram em casa, o pátio não era o mesmo. O pavimento em alcatrão estava esburacado, os canteiros não tinham flores e os miúdos não brincavam na rua. “O meu marido é que conseguiu pôr a malta toda a comunicar”, orgulha-se. “Criámos uma associação de moradores, tratámos dos esgotos que tinham problemas gravíssimos desde sempre e agora está tudo arranjadinho, tudo impecável.”
Uma das “lutas”, talvez a mais difícil num bairro conhecido pela falta de estacionamento, foi acabar com os carros à porta das casas, para se “circular à vontade”, diz. Quem ganhou com isso foram os miúdos que agora correm sem barreiras e andam de bicicleta pelas ruas entretanto calcetadas. Durante a pandemia, o pátio foi a salvação de todos e até houve banhos de mangueira em dias de calor. O convívio prolongou-se depois disso. Se antes cada vizinho estava no seu canto, agora cresceu o sentido de comunidade. O “senhor Luís”, por exemplo, uma espécie de guardião do pátio, costuma ajudar os miúdos da vizinhança a montar uma banca para vender limonadas, bolos e livros antigos a quem passa na rua. “Tem uma letra super desenhada, super bonita e é ele quem pinta os letreiros”, conta Sofia. “É um amor.”
Luís Aragão, de 74 anos, o “senhor Luís”, é o morador mais antigo, a viver no pátio desde os 14 anos. A mulher confessa que têm uma casa bem maior na Margem Sul, mas Luís não consegue deixar o seu bairro de infância. Junto à pequena casa que era dos pais, à entrada do pátio, vai mostrando as suas plantas nos canteiros: aromáticas, monsteras exuberantes e até uma bananeira, mais escondida, que plantou “pequeninina”, e de onde alguém já levou umas bananas. Luís Aragão recorda os tempos em que o pátio pertencia a um só proprietário, Jaime Gonçalves, e as oficinas que ali chegaram a existir, como uma serralharia e a “fábrica de rebuçados peitorais Anilusa”. Lembra também o tempo em que era quase só ocupado por artistas, que depois acabaram por comprar os ateliês, muitos deles agora transformados em casas luxuosas.